Compliance como mecanismo atenuante de penalidades: Um estudo de caso da empresa Odebrecht

14/01/2021

Artigo por:

Luiz Guilherme Ros e Alessandra Oliveira Barbosa

A partir das experiências regulatórias contemporâneas, observa-se cada vez mais necessária a aproximação das regras jurídicas com os princípios éticos e morais. A autorregulação, assim, tem se mostrado alternativa promissora para “desafogar” a regulação estatal no que concerne ao combate aos atos de corrupção e crimes corporativos. Nesse contexto, um programa de integridade, baseado nos princípios da eticidade, responsabilidade corporativa e transparência, insurge como potencial mecanismo para o desestímulo à prática de crimes de corrupção.

Nesse contexto, verifica-se que a Operação Lava Jato desvendou a existência de uma das maiores organizações criminosas, composta por diversos agentes, públicos e privados, que atuavam de forma cartelizada, fraudando licitações, bem como outros crimes, tais como pagamento de propinas e lavagem de dinheiro. A empresa Odebrecht, nesse contexto, assumiu uma postura colaborativa com as autoridades, seja de defesa da concorrência, seja com órgãos empenhados no combate aos atos de corrupção de modo que o “Caso Odebrecht” se apresenta como exemplo bastante pertinente para se compreender como um programa de integridade bem estruturado, fixado em princípios éticos e morais, pode ser um aliado eficaz para a descontinuidade da prática de atos corruptivos.

Esta nova maneira de regulação está refletida na forma como os agentes têm sido punidos. Os incentivos contidos na atenuação de penalidades, baseada na existência de um programa de integridade em uma empresa, evidencia a importância de novos caminhos para reconhecer e institucionalizar um diálogo mais fluido entre o Direito e os entes governamentais.

Por esta razão, assente na legislação vigente, em manuais e em normas técnicas relacionadas ao compliance busca-se apresentar maneiras para a boa estruturação de um programa de integridade que mitigue o avanço dessa modalidade de crimes de difícil detecção e alta complexidade no Brasil.

1. A relação entre o direito e os valores éticos: As peculiaridades dos crimes de corrupção

As inúmeras transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas no século XIX foram primordiais para que do ponto de vista jurídico efervescessem os debates quanto à relação entre o Direito e a ética e moral. Se no paradigma anterior, o jusnaturalismo permitia uma doutrina voltada ao direito natural, dotado de uma ordem jurídica decorrente da própria natureza humana, aferível a partir da boa razão e de um direito anterior e hierarquicamente superior, a insurgência do juspositivismo já apresentava novas maneiras para compreensão do regramento jurídico.

A acentuada dicotomia instaurada entre o Direito e a ética e moral insurgiu-se do desejo de suplantar a ideia de um direito resultante daqueles valores. Estes já não eram mais entendidos como suficientes para superar a segurança jurídica.

Partindo-se da noção kantiana, a regulação jurídica dos mercados estava orientada a partir do cumprimento de regras jurídicas que somente seriam observadas de acordo com os interesses do agente em atingir ou não os fins desejados. Em outras palavras, com a elevação do regramento jurídico afastado da moral, a única razão pela qual o sujeito se manteria em conformidade com aquilo que fosse determinado seria se as consequências superassem os ganhos econômicos. Significa dizer, portanto, que o agente, economicamente racional, sopesaria os riscos e ganhos da prática, verificando, assim, se o crime em questão compensaria.

Como bem explicita Ana Frazão (2018), o funcionamento dos mercados baseado na acepção de um direito integralmente apartado da ética e da moral exige do Estado um modelo regulatório fundamentalmente assentado na coercitividade e imposição de comandos que obriguem o agente a cumprir com as regras estabelecidas. Essencialmente, pode-se dizer que o sujeito somente se submete à regra pois teme a sanção.

Contudo, as complexidades sociais da contemporaneidade não vislumbram mais eficácia a um modelo jurídico imposto, primordialmente, pelo temor da aplicação de sanções. Como ilustra Jürgen Habermas (2011), o direito deve saber se impor não somente pela força, como também pela legitimidade de seus pressupostos e cumprido por razões racionalmente aferíveis.

Pode-se compreender, nesse sentido, que um modelo regulatório, essencialmente baseado na aplicação de sanções, não produz resultados satisfatórios e eficazes na contenção de práticas ilícitas, notadamente naqueles crimes em que as vantagens e incentivos econômicos superam as consequências punitivas. Tanto o é que, como identifica Susan Rose-Ackerman (1978), os crimes de corrupção, bem como da estrutura dos crimes de cartéis, estão demasiadamente relacionados aos problemas institucionais e de ética. A estrutura da corrupção é muito mais complexa que a simples aplicação de punições ao sujeito infrator, ou seja, envolve uma série de variáveis e fatores a serem considerados ao seu combate.

De acordo com Maurice E. Stucke (2006, p. 489), pode-se compreender a moralidade a partir das condutas sociais adotadas, bem como das características psicológicas e atributos sociais de uma pessoa, que fazem com que esta cumpra as regras de maneira a evitar vícios de qualquer natureza1. Além do mais, ainda que orientada por juízos de natureza ética e moral, é perfeitamente possível que as escolhas sejam feitas de maneira racional, incentivadas pela formação de bons hábitos2.

Nesse contexto, conforme Frazão (2018), a cisão entre o direito e a ética e moral “desconsidera o fato de que as pessoas precisam também entender o valor intrínseco das regras que lhes são impostas e essa compreensão, ainda mais quando endossada pelas instituições e práticas sociais, pode ser um móvel muito mais poderoso para o agir humano do que a sanção”.

Assim, a partir da premissa de que o sujeito reconhece nas sanções uma razão ética e moral de ser e, a partir disso, orienta-se para o seu cumprimento, demonstra-se muito mais eficiente do que esperar que aquelas sejam cumpridas mesmo em um contexto em que o cálculo econômico para recebimento de ganhos compensa as consequências.

No mesmo sentido, Natalia Costa (2017, p. 92) reafirma este entendimento ao demonstrar que ao se buscar estratégias para o enfrentamento da corrupção, “as respostas mais comuns são traduzidas em termos de mudanças no quadro legislativo e institucional, para o fim de endurecer as leis punitivas e de fortalecer os órgãos de repressão”. No entanto, como bem pontua a autora, “tem-se verificado justamente a pouca efetividade de políticas de regulação baseadas preponderantemente na matriz de custos da infração, surgindo, assim, a necessidade de estudar as possíveis falhas atribuíveis às medidas anticorrupção contemporâneas” (COSTA, 2017, p. 92).

Os debates a esse respeito são exemplificados pela existência do white collar crime (crimes de colarinho branco), conceito cunhado para distinguir os grandes “empresários e agentes ocupantes de posições mais elevadas na hierarquia organizacional” dos “trabalhadores/operários executantes de funções intermediárias” (PEREIRA, 2018).

A partir de estudos sobre o crime do colarinho branco, o sociólogo Edwin Hardin Sutherland (1983) identificou uma série de aspectos essenciais para se compreender a criminologia por trás destas práticas. Dentre suas contribuições, destaca-se que, segundo o autor, a prática de crimes é produto de um processo de aprendizado social que

questiona a pobreza como motivação para o crime e propõe a existência de uma perspectiva de anomia e dissociação presentes também nas classes econômicas favorecidas, abrindo os canais para as práticas criminais comuns ao ‘colarinho branco’, em especial, as fraudes e violações de monopólio. (SUTHERLAND et al., 1983, apud PEREIRA, 2018, p. 20)

Nesse sentido, diversos outros autores ampliaram esta noção para abarcar a concepção do que seria um crime corporativo. De acordo com Marshall B. Clinard (1979:15), os crimes corporativos estão relacionados às grandes organizações e grupos empresariais, onde se identifica altos níveis de poder de influência política e econômica3. Para John Braithwaite (1984), além de violações penais, os crimes corporativos incidem em violações civis e administrativas, uma vez que as corporações se envolvem em práticas consideradas moralmente inaceitáveis.

A prática destes crimes, segundo Matthew E. Szwajkowski (1985:560-561), estabelece-se a partir de três elementos essenciais: o ambiente, a estrutura e o processo de escolha interna. Quanto ao primeiro, defende que o ato ilegal ocorre caso os benefícios superem os custos, isto é, se as consequências forem “confortáveis” aos agentes econômicos4. Dessa maneira, ao sopesar as vantagens que podem ser auferidas pela prática dos crimes corporativos, as sanções tornam-se ainda mais estimulantes para a tomada de condutas ilícitas e não o contrário, como se esperava inicialmente.

Ainda neste contexto, e no que diz respeito aos cartéis, alguns estudos conduzidos nos EUA, onde as sanções aplicadas são ainda maiores do que no Brasil, indicaram que a prática de cartel seria um crime que “compensaria” a partir do sopesamento dos potenciais riscos (CONNOR e LANDE, 2012).

Posto isto, e no que toca ao elemento da estrutura, convém salientar os três níveis evidenciados por Szwajkowski (1985, apud PEREIRA, 2018:24):

(1) organizacional ou corporativo – o próprio nível complexo estrutural e departamental dentro das organizações, com seus níveis hierárquicos, podem criar barreiras que impedem a descoberta de atos corruptivos ou no mínimo questionáveis. Os subordinados, de modo geral, podem temer a autoridade superior, de forma que não se encorajam a relatar para os níveis hierárquicos superiores as atividades ilegais, pois as consequências acabam por inibir esse tipo de atitude; (2) industrial – a própria estrutura setorial dentro da organização, notadamente, aquela caracterizada pela alta concentração, torna propícios os atos ilícitos, pois, para a ocorrência destes atos ilícitos são necessários apenas poucos e poderosos agentes. Quando a estrutura do setor é difusa, as possibilidades de conluio são substituídas por práticas como rivalidade acirrada, espionagem industrial e propaganda enganosa; (3) legal – os controles legais das atividades de um setor têm uma estrutura própria, podendo estimular a ocorrência de atos ilegais nos casos que a legislação é criada sem dispositivos para sua aplicação, o que a torna ineficaz, ou seja, existem leis, todavia, as mesmas não foram regulamentadas quanto à sua execução na prática cotidiana.

Destaca-se que o primeiro nível identificado pelo autor, isto é, o organizacional ou corporativo, contribui demasiadamente para o fortalecimento destes crimes, em especial pela maneira como os atos de corrupção serão praticados. Quanto menos transparentes forem as corporações, mais difícil será a descoberta das práticas corruptivas e cada vez mais possível que estes atos sejam encobertos pelos próprios funcionários da empresa.

E, por fim, o elemento da escolha, relacionado àquele que pratica o ato ilegal. De acordo com o autor, o procedimento de escolha está relacionado à maneira como o sujeito compreende a justiça e a ética e a aplicação destes princípios à situação em que está inserido (SZWAJKOWSKI, 1985, p. 561). Dessa maneira, “o indivíduo influente que julga estar acima da lei é aquele que considera as leis muito severas, ou, ainda, entende que nas normas dos negócios impera a regra do cada um por si, sendo propenso a cometer a ilegalidade nos negócios” (PEREIRA, 2018, p. 24).

A conjugação destes três fatores, ou seja, a possibilidade de que as vantagens econômicas superem as consequências associada ao fortalecimento da corrupção, através da organização hierárquica das corporações e a noção de que as sanções por si só não são capazes de impedir tais práticas ilícitas, resulta na condição peculiar dos crimes de corrupção.

Esta caracterização, como percebido, não pode ser tratada com a noção simplista de que as sanções serão suficientes para desestimular os agentes à prática dos crimes. Pelo contrário, há que se reconhecer a necessidade do estabelecimento de um

diálogo com as instituições e com a ética pessoal e coletiva, preocupando-se com a legitimidade e aceitação racional das normas jurídicas pelos destinatários, bem como com a utilização eficiente do direito para a modificação das instituições e para o fomento da própria moral e ética (FRAZÃO, 2018).

Por esta razão, necessária se faz a existência de um novo sistema regulatório que possibilite uma melhor comunicação entre o regramento jurídico e as práticas sociais, de modo a reconhecer as peculiaridades de condutas ilícitas que não são resolvidas somente a partir de pesadas sanções.

2. Os programas de integridade como incentivo à autorregulação

Diante da insuficiência do modelo regulatório estritamente baseado na aplicação de sanções aos crimes de corrupção, e adotando-se o entendimento de Frazão (2018) para a necessidade de reconhecimento de um novo modelo regulatório baseado na importância de se oferecer incentivos aos agentes econômicos, percebe-se uma nova interação entre o direito e os valores éticos que parece insurgir de maneira cada vez mais promissora na identificação e redução dos casos de corrupção: o programa de integridade.

Aplicado pela primeira vez em 1913 no Banco Central norte-americano para o desenvolvimento de um “sistema financeiro mais seguro, estável e controlável” (PEREIRA, 2018, p. 51), o compliance tem sua origem da expressão “to comply”, que remonta à ideia de cumprir, obedecer e observar o que foi imposto.

From a public policy perspective, compliance and ethics programmes have an enormous advantage over relying solely on the use of enforcement actions brought by the state. By their nature, enforcement actions are after the fact- they only come after the offence has taken place. Only after consumers have had their money stolen by price-fixing, or agencies have received substandard products at inflated prices through big-rigging, or business customers have been denied their choice of suppliers through market allocation, does enforcement come into play. At this point, all a government can do is try to remedy some of the damage, punish at least some of the wrongdoers and deter others from following their example. Compliance and ethics programmes are there to interdict misconduct at the earliest stage- perhaps even before it occurs. Prevention of violations is far superior to any form of sanction imposed by the state (MURPHY, 2015, p. 464).

Sendo assim, percebe-se que a noção principal do compliance é a de buscar a

observância das limitações impostas pelo ordenamento jurídico mediante a criação de códigos de conduta internos, visando à preservação de padrões éticos por meio da consolidação de uma cultura de valores comuns e do estabelecimento de mecanismos de prevenção, controle e sancionamento dos comportamentos desvirtuados (SCHRAMM, 2018, p. 133).

Da mesma forma, segundo Coimbra e Manzi (2010:2), o compliance e, consequentemente, os programas de integridade estão relacionados à observância do “dever de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir leis, diretrizes, regulamentos internos e externos, buscando mitigar o risco atrelado à reputação do risco legal/regulatório”.

De maneira prática, os programas de integridade são adotados pelas empresas como “controles institucionais internos que propiciam a segurança, o gerenciamento de riscos e a prevenção da ocorrência de operações ilegais” (BECKER, 2018, p. 51), permitindo, assim, um sistema de desafogamento da regulação estatal (FRAZÃO, 2018), privilegiando a autorregulação dos agentes privados. Logo, a partir de programas orientados por uma “cultura corporativa de respeito à ética e às regras jurídicas” (FRAZÃO, 2018) é possível maior ênfase na identificação de atos corruptivos pelos próprios agentes.

Como destaca Murphy (2015, p. 462),

A compliance and ethics pro-gramme consists of two things. The first is a commitment by management to ‘do the right thing’. The second is the use of a panoply of management tools to put this commitment into practice. These tools include compliance codes and training, of course, but they must be packaged and delivered in such a way that they have an effect on the behaviour of those acting for the company.

Ademais, como um programa de integridade está orientado para abarcar o maior número possível de atividades de uma empresa, é comum que trate dos mais diversos diplomas normativos, tais como os relacionados à corrupção, aos impactos no âmbito concorrencial e ambiental, bem como às legislações trabalhistas e tributárias, todos cruciais para o bom desenvolvimento da empresa.

No âmbito do direito empresarial e concorrencial, um programa de integridade bem estruturado e devidamente aplicado junto a uma empresa apresenta-se como orientador potente no combate às práticas de corrupção. Segundo Brent Fisse (2015, p. 266), no âmbito das práticas de cartel, um efetivo programa de integridade é capaz de prevenir e, antecipadamente, detectar violações da lei de maneira mais rápida e eficaz6.

Conforme o art. 41, do decreto 8.420, de 18 de março de 2015, um programa de integridade pode ser definido como um

conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira (BRASIL, 2015).

De acordo com o Guia de Compliance, apresentado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), é por meio destes programas que “os agentes reforçam seu compromisso com os valores e objetivos ali explicitados, primordialmente com o cumprimento da legislação” (BRASIL, 2016). O objetivo central é fazer com que os próprios agentes atuantes se comprometam com as legislações seguidas pela empresa e que este comprometimento não seja meramente formal, mas aplicável ao cotidiano da corporação.

E ainda de acordo com a Norma ISO 19.600:2014 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2014), criada com o objetivo de estruturar um padrão internacional para os programas de integridade no âmbito das relações empresariais, pode-se definir o compliance como o resultado de práticas adotadas por uma corporação voltadas para os princípios da boa governança, da proporcionalidade, da transparência e da sustentabilidade (2014). Na mesma direção, caminha a Norma ISO 37.001:2016 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2016), ao demonstrar que para a boa estruturação de um programa anticorrupção importa um aspecto preventivo – na redução de riscos legais e reputacionais para as empresas – e um aspecto reativo – quando da necessidade de investigações acerca dos ilícitos praticados.

No entanto, como bem destacado por Frazão, os homens não podem ser tomados inteiramente como demônios ou anjos (2018), de maneira que, para a implementação de um programa de integridade – que demanda certo e constante esforço, não só de tempo e estrutura, como também de investimento financeiro -, deve haver igualmente incentivos e vantagens empiricamente aferíveis para a adoção deste mecanismo.

Salienta-se que, além da prevenção e mitigação do risco de se violar as legislações através da identificação antecipada de problemas internos, a existência de um programa de compliance permite que a empresa seja melhor avaliada por investidores e colaboradores, o que, consequentemente, tende “a aumentar a satisfação e o comprometimento no trabalho e o senso de pertencimento e identificação com o grupo” (BRASIL, 2016). No mais, se uma empresa se envolve com corrupção e não possui qualquer programa eficaz, no sentido de identificar e impedir que os seus efeitos avancem, não só a sua ética, mas todo o seu modelo negocial será percebido com certa desconfiança pela sociedade em geral.

3. A utilização do programa de integridade como critério para atenuação de penalidades

Apesar dos inúmeros benefícios qualitativos advindos da efetiva aplicação de um programa de integridade, os benefícios financeiros ainda ocupam a posição de maior destaque, especialmente para empresas que precisam justificar a razão de implementar tais programas, que são significativamente custosos.

Esta visão de que o regramento jurídico precisa estar associado ao comportamento dos agentes e à maneira como estes reagem a estímulos, foi recepcionada pela lei 12.846, de 1º de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção – LAC), que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Em seu bojo, mais especificamente no art. 7º, I, a lei trata o programa de integridade como fator a ser considerado na aplicação das sanções. Assim, a existência de “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” será fator relevante para a consideração da penalização das pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção.

Tendo isto por base, importante destacar a atuação da Controladoria Geral da União (CGU) para a estruturação do Manual Prático de Avaliação de Programa de Integridade em Processo Administrativo de Responsabilização. De acordo com o documento, a Lei Anticorrupção foi bastante importante para a prevenção e combate da prática de ilícitos e, igualmente, para “moralizar as relações entre empresas privadas e a Administração Pública” (BRASIL, 2018).

E é por esse motivo que ela prevê e incentiva a adoção de programas de integridade, a fim de que as pessoas jurídicas estabeleçam, elas mesmas, mecanismos que possam evitar a ocorrência do ato lesivo, ou, caso eles ocorram, que consigam detectá-los, interrompê-los e remediar os danos por eles causados. (BRASIL, 2018)

Segundo informa o Manual (Brasil, 2018), diante de um processo administrativo de responsabilização é possível que a adoção de um programa de compliance pela empresa seja considerada no momento do cálculo da multa, o que pode servir de grande estímulo para que atos de corrupção sejam rapidamente detectados, denunciados e remediados.

Sendo assim, conforme o art. 6º, I, da lei 12.846/13, uma vez verificada a necessidade de responsabilização pela pessoa jurídica investigada, a esta deve ser aplicada multa no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, que nunca poderá ser inferior à vantagem auferida com a prática do ato lesivo.

Como orienta o Manual da CGU (Brasil, 2018), o cálculo para a definição da multa deve ser: a base de cálculo x alíquota = multa preliminar, sendo a base de cálculo o próprio faturamento anual da pessoa jurídica e a alíquota o percentual de multa que incidirá sobre o faturamento bruto, conforme o dispositivo supracitado.

Segundo o art. 17, do decreto 8.420/15, somam-se ao percentual da multa: (I) a continuidade dos atos lesivos no tempo; (II) a tolerância ou ciência do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica acerca dos atos lesivos; (III) a ocorrência de interrupção no fornecimento de serviços públicos ou na execução de obra contratada em decorrência da prática dos atos de corrupção; (IV) a situação econômica do infrator; (V) a reincidência da pessoa jurídica; e (VI) o valor do contrato mantido ou pretendido com o órgão ou entidade lesado.

O art. 18, da mesma normativa, apresenta critérios tidos como atenuantes para redução da multa, dentre eles: (I) a não consumação da infração; (II) a comprovação de ressarcimento dos danos causados; e (III) o grau de colaboração da empresa com as investigações.

Deve-se dar o devido destaque aos dois últimos critérios previstos na lei: (I) a comunicação espontânea pela própria empresa dos atos lesivos praticados; e (II) a comprovação de que possui e aplica internamente um programa de integridade.

Por óbvio, a comunicação espontânea decorre da efetividade do programa de compliance implementado, de forma a estimular a revelação de eventuais atos corruptivos.

Para o cálculo da multa, a comunicação espontânea pela empresa é capaz de reduzir em até 2% o percentual a ser aplicado sobre o faturamento bruto da empresa e em até 4% se houver a aplicação de um programa de compliance.

Como se verifica, a adoção de um programa de integridade pela empresa representa um grande incentivo, uma vez que, mesmo envolvida em atos de corrupção, as penalidades podem, de alguma forma, serem reduzidas. Estas ações apresentam um novo modelo, qual seja: a autorregulação. Este novo modelo concederia, antes da aplicação severa de sanções e punições, uma chance aos agentes econômicos de perceberem que os ganhos com atuações corretas e íntegras caminham junto com a eticidade e moralidade das condutas.

3.1. Estudo de caso da empresa Odebrecht: Programa de integridade x Práticas ilícitas

Uma vez verificada a previsão legal de utilização de um programa de integridade como atenuante de penalidades, cuida-se, a partir deste momento, da análise do caso prático envolvendo a empresa Odebrecht: condenada ao pagamento de vultosa multa por envolvimento em um dos maiores escândalos brasileiros de corrupção.

A Operação Lava-Jato, considerada a maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil, foi deflagrada em março de 2014 e desvendou um dos maiores esquemas de corrupção envolvendo a empresa Petrobras, grandes empreiteiras nacionais, partidos políticos e agentes públicos (MPF, 2020).

A operação, que contou com mais de 50 fases deflagradas, indicou que diretores e funcionários da empresa Petrobras cobravam propina de empreiteiras em contratos bilionários superfaturados e de outros fornecedores a fim de facilitar as relações com a empresa estatal (MPF, 2020). Significava dizer que, para poder concorrer nas licitações, as empreiteiras precisavam se conformar com a prática de ilícitos, ou, caso contrário, não conseguiriam desenvolver suas atividades.

A participação das empreiteiras, em especial da empresa Odebrecht, revelou-se com maior clareza a partir da décima fase das investigações, quando, em junho de 2015, o seu presidente, Marcelo Odebrecht, foi preso (MPF, 2020).

O empresário foi denunciado pelos crimes de corrupção ativa, organização criminosa, lavagem de dinheiro e obstrução da justiça, violações presentes na lei 12.850/13, art. 2º, caput e § 4º, II, III, IV e V c/c art. 1º, § 1º, praticadas no período de 2006 a novembro de 2014 (PEREIRA, 2018, p. 73).

As consequências da divulgação de envolvimento nas práticas de corrupção sobre a empresa Odebrecht foram bastante severas, não só do ponto de vista financeiro como também moral e reputacional. Não é por outra razão que após a celebração dos seus acordos, a empresa iniciou um processo de dissociação da antiga marca e criação de uma “nova companhia”.

Além disso, dentre outras consequências, a empresa precisou vender ativos para reduzir suas vultosas dívidas, foi proibida de participar de negócios no Brasil e nos países da América Latina e teve boa parte de seus funcionários substituídos por envolvimento nas práticas ilícitas, em especial seus principais executivos (SILVA e MONTEIRO, 2019).

De maneira geral, a corrupção que se alastrou pela empresa causou danos que, de certa maneira, poderiam ter sido evitados e, ainda, poderiam ter tido significativa importância na multa suportada pela empresa, caso esta fizesse uso de um efetivo programa de integridade6.

Em 2018, concluídas as investigações que envolviam a participação da empresa Odebrecht no caso Lava-Jato, esta foi acionada por órgãos regulatórios brasileiros e estrangeiros, tais como o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (“DOJ”) e a Procuradoria-Geral da Suíça (Office of the Attorney General of Switzerland), a fim de ressarcir os cofres públicos pelos prejuízos decorrentes dos atos de corrupção praticados.

Com a Controladoria-Geral da União (CGU), a empresa Odebrecht celebrou Acordo de Leniência comprometendo-se ao pagamento de multa em valor superior a dois bilhões de reais. O Acordo ficou condicionado ao “aperfeiçoamento do programa de integridade por parte das responsáveis colaboradoras”, ou seja, tanto a controladora quanto as subsidiárias do Grupo Odebrecht se comprometeram à aplicação de um programa de compliance que fosse eficaz para impedir que novas práticas de corrupção fossem novamente adotadas pelas empresas (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018).

A empresa Odebrecht também celebrou Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC), com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que, da mesma maneira, condicionou o Acordo à efetiva implementação e aperfeiçoamento de um programa de compliance.

3.4. Programa de Integridade Concorrencial – A COMPROMISSÁRIA ODEBRECHT obriga-se a:

3.4.1. Implementar um Programa de Integridade Concorrencial destinado a identificar, mitigar e remediar os riscos de violações à Lei nº 12.529/2011 em todas as suas operações praticadas no Brasil ou que possam produzir efeitos no Brasil, incluindo as de suas afiliadas, subsidiárias e outras organizações, que atenda às diretrizes estabelecidos no Guia de Programas de Compliance do CADE e suas atualizações, em especial quanto:

a) ao comprometimento da alta administração;

b) à adoção de um código de conduta que abranja orientações específicas de integridade concorrencial;

c) à autonomia e independência da equipe de compliance;

d) aos critérios, metodologias e responsáveis pela análise de riscos concorrenciais;

e) a atividades e a canais de comunicação e denúncia internos, com ampla publicidade junto aos funcionários, fornecedores, prestadores de serviços e garantia de anonimato daqueles que oferecerem denúncias;

f) à realização de cursos e treinamentos periódicos;

g) a orientações e diretrizes formais de integridade concorrencial;

h) à revisão, adaptação ou modificação do Programa;

i) à adoção de procedimentos específicos para prevenir a troca de informações concorrencialmente sensíveis ou acordos entre concorrentes, especialmente no contexto de participação em licitações e em reuniões de sindicatos e entidades representativas do setor (ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, 2018).

Como bem observam Santos, Amaral e Silva, “a Odebrecht falhou em não remediar a ocorrência de irregularidades, ao ignorar os princípios éticos e não ter tomado providências para a descontinuidade de práticas impróprias em suas atividades empresariais” (2019, p. 129). O investimento em um programa de integridade estável impediria que a corrupção afetasse o núcleo da empresa, “a ponto de possuir um departamento exclusivo de organização da lavagem de dinheiro” (SANTOS, AMARAL e SILVA, 2019:129).

4. A (in)eficácia dos programas de integridade e caminhos para seu aprimoramento

Como se verifica, a inspiração para implementação de um programa de integridade nas empresas se apresenta como possibilidade bastante promissora não só para o desafogamento da regulação estatal, como também para se criar uma noção de que as peculiaridades dos crimes de corrupção impossibilitam um modelo regulatório baseado essencialmente nas sanções e punições.

Novos incentivos e novas maneiras de regulação revelam-se cada vez mais necessários. No entanto, muito além da simples existência de um programa de integridade, deve-se reconhecer a necessidade de que este não seja um mero “programa de fachada”, isto é, que não seja utilizado por uma empresa apenas como manobra para fugir das fiscalizações e buscar vantagens. É necessário, nesse contexto, que haja um constante treinamento dos funcionários e atuações coercitivas para aqueles que se desviem do padrão ético de conduta esperado dos mesmos.

No que concerne à empresa Odebrecht, inúmeros fatores podem ser apontados como determinantes para a instauração de uma cultura de corrupção no âmbito corporativo, uma vez que, por tempo considerável, conduzia práticas ilícitas, chegando até à criação de um setor responsável pelos pagamentos de propina.

Conforme elucida Pereira (2018), fragilidades internas e externas foram responsáveis pela maneira como os crimes foram praticados pela empresa Odebrecht. A ausência de um programa de integridade efetivo, acrescido do contexto no qual estava inserida a empresa, evidencia o grau de complexidade que crimes deste porte podem alcançar.

Em um primeiro momento, recorda-se que as práticas criminosas começaram a ser adotadas pela empresa ainda no ano de 2006, antes da entrada em vigor da lei 12.846/13. No entanto, mesmo após o estabelecimento de um arcabouço legal para regulamentar e sancionar tais práticas, as condutas de corrupção não cessaram. Ou seja, reconhece-se que um dos fatores de fragilidade se dá pela própria legislação que, muitas vezes, é insuficiente para conter o avanço das práticas. De acordo com Pereira, “no caso Odebrecht, os agentes, por diversas vezes, se aproveitaram das fragilidades legais para executarem os atos corruptivos” (2018, p. 77). Evidencia-se, nesta situação, que “a desmedida prática de irregularidades e a reiteração do uso de meios ilícitos são resultado da ineficiência do gerenciamento do sistema e das lacunas e fragilidades do arcabouço legal” (PEREIRA, 2018, p. 77).

Ainda que frágeis do ponto de vista da capacidade de eliminar a criminalidade, é possível que, como bem pontua Costa (2017), tais legislações corroborem para o desestímulo das práticas corruptivas.

O marco regulatório é um fator moderador incapaz de eliminar as fraudes corporativas, mas capaz de interferir no comportamento dos agentes fraudadores, tornando sua ação mais difícil e, por hipótese, mais sofisticada. O comportamento desses agentes, por sua vez, é influenciado pela cultura da sociedade, do setor de atividades e da organização. Assim, o marco regulatório, que é um componente ambiental, desempenha papel de moderador no conjunto desses componentes. (COSTA, 2017, apud PEREIRA, 2018:78)

Somadas a esta situação, Pereira identifica que as falhas de controle da Administração Pública são fatores relevantes para o estímulo da corrupção. Dentre as práticas adotadas pela empresa Odebrecht, conta-se com o auxílio de executivos da empresa Petrobras para as fraudes nos processos licitatórios da empresa estatal que beneficiavam a construtora (PEREIRA, 2018, p. 77). Em outras palavras, a corrupção passiva, isto é, aquela praticada por agentes públicos, estimula de maneira considerável a corrupção ativa por agentes privados.

Deve-se considerar a maneira como as políticas internas são adotadas pela empresa. Enraizou-se, na estrutura da Odebrecht, uma “cultura de pagamento de propinas aos diretores da Petrobras para que fossem garantidas vantagens nos contratos de prestação de serviços” (PEREIRA, 2018, p. 84), ou, ainda apenas que fosse garantida a essa empresa a possibilidade de “concorrer” nessas licitações. Com as investigações da Lava-Jato, descobriu-se a existência de um setor de Operações Estruturadas dentro da empresa com o fim único de operacionalizar e coordenar os pagamentos sistemáticos de propina, de maneira que sua origem fosse ocultada.

A fragilidade das políticas internas de integridade da empresa Odebrecht impediam a cessação das condutas corruptivas, uma vez que as práticas estavam tão bem articuladas e sistematizadas que a estrutura dos atos ilícitos praticados pela empresa jamais seria desvendada por um programa de compliance pouco estruturado.

Repise-se que, para um programa de integridade eficaz, a empresa deve estar inteiramente assentada em princípios voltados para a promoção da transparência e da colaboração corporativa, tais como a equidade, a prestação de contas e a responsabilidade corporativa. A partir desta concepção é possível elencar medidas objetivas e diretas para assegurar que um programa de compliance seja adequado e prontamente útil.

É importante que o gerenciamento, antes de mais nada, esteja inteiramente guiado por “mecanismos propostos para a disseminação da cultura anticorrupção” (PEREIRA, 2018, p. 90):

A formação da equipe interna da empresa, no que se refere às regras de compliance, é um dos principais mecanismos propostos para a disseminação da cultura anticorrupção e a mudança da estrutura organizacional. Desde a integração de novos colaboradores, até eventos periódicos de reciclagem, tanto sobre compliance, quanto novos processos, necessitam estar na rotina do calendário da empresa. Os programas de treinamentos associados a uma clara comunicação podem ser ferramentas para fortalecer o compliance empresarial (PEREIRA, 2018, p. 90).

Pereira (2018, p. 91) destaca, ainda, que a criação de normas internas pode representar um pilar bastante sólido para consolidação do programa de integridade. Assim, “uma ferramenta importante é o Código de Ética & Conduta, que deve conter regras e linguagem claras, concisas e acessíveis quanto ao relacionamento entre as partes da sua organização” (PEREIRA, 2018, p. 91), para que seja acessível a todos os funcionários envolvidos. Além do mais, “o Código de Conduta e os procedimentos devem ser disponibilizados não apenas aos colaboradores internos da empresa, mas a todos os parceiros de negócio e stakeholders externos” (SCHRAMM, 2018, p. 181), pois “não basta ter um programa de integridade, é preciso ‘mostrar que tem’ – e o quanto funciona” (GABARDO e CATELLA, 2015, p. 142).

Outra ferramenta bastante interessante consiste na figura do due diligence relacionado às práticas de compliance, denominado por Pereira (2018) como due compliance, isto é, um processo voltado para a obtenção de “informações, de forma direta e indireta, sobre características do terceiro que podem trazer riscos de compliance, incluindo eventuais relacionamentos com políticos e órgãos públicos” (PEREIRA, 2018, p. 92). Esta medida se apresenta como aliada na redução das fragilidades relacionadas ao ambiente verificadas anteriormente.

Por fim, e igualmente importante por se tratar de um mecanismo focado na autorregulação, é necessário que as empresas, internamente, realizem monitoramentos frequentes através de auditorias. Todos os documentos, e-mails, comunicações internas e externas devem ser analisados e controlados pela empresa, com o objetivo de “criar ferramentas para captar denúncias, mecanismos de investigação para identificar e apurar possíveis infrações, bem como aplicar as medidas disciplinares cabíveis” (PEREIRA, 2018, p. 94).

Em outras palavras, é recomendável que haja “avaliação periódica dos riscos […] com o apoio de auditores ou especialistas externos” (SCHRAMM, 2018, p. 189). Hoje, a “Nova Odebrecht”, como passou a ser conhecida após a reestruturação completa de seu programa de integridade, busca desassociar o seu nome dos atos de corrupção praticados no passado, a partir da implementação de diversos mecanismos assentados na eticidade, integridade e transparência. Além da instituição de códigos de conduta, a empresa implementou o “Canal Linha de Ética” que permite a realização de denúncias anônimas e confidenciais de práticas corruptivas ou anticoncorrenciais praticadas por funcionários da empresa (ODEBRECHT, 2020).

Por fim, esclarece-se que a intensificação de incentivos a partir de mecanismos como os programas de integridade pode representar grande alívio para empresas no que tange à possibilidade de identificação rápida e de eliminação de condutas corruptivas. Deve-se ter em mente que os resultados advindos da implementação efetiva de um programa de compliance é tarefa a ser avaliada a médio e longo prazos, quando será possível identificar com maior clareza como estas condutas foram incorporadas pela empresa e pelos seus funcionários/colaboradores internos e externos. No entanto, é importante que se continue a buscar e incentivar mecanismos que corroborem com a necessidade de extirpação de condutas ilícitas.

Conclusão

As peculiaridades dos crimes de corrupção impedem que uma regulação jurídica essencialmente assentada na aplicação de sanções e de punições seja satisfatória e cumpra com seus objetivos. É importante que para além da aplicação de penas e multas, os órgãos de controle visualizem nos mecanismos de incentivos a possibilidade de reduzir a prática destes crimes e, consequentemente, amenizem os duros impactos internos no país.

As iniciativas tanto do CADE quanto da CGU no oferecimento de atenuação da responsabilidade administrativa, uma vez demonstrada pela empresa que cumpria um programa de integridade, mostra-se como alternativa importante na consecução de resultados mais satisfatórios no combate à corrupção.

O caso da empresa Odebrecht demonstra como a aplicação de um programa de integridade bem estruturado permite o desenvolvimento de uma empresa pautada pelos princípios da transparência e eticidade. No mesmo caminho, se possuísse um programa de integridade como o que passou a adotar após os escândalos da Operação Lava-Jato, certamente os seus impactos seriam menores. Ademais, percebe-se que a utilização do compliance pelas corporações tem sido incentivada pelos órgãos reguladores, como uma tentativa de reduzir a prática de crimes que, como se analisou, requerem uma atenção maior por parte das autoridades responsáveis.

No entanto, deve-se garantir que tais mecanismos, como os programas de integridade, não sejam utilizados somente para se esquivar da fiscalização e angariar benefícios, mas que seu conteúdo seja efetivamente utilizado como instrumento de gestão interna e externa a partir da observância dos princípios da eticidade, transparência e prestação de contas.

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1 Tradução livre para: “morality refers to rules of conduct associated with certain distinctive psychological and social attributes, such that a person complies with the conduct to achieve virtue and avoid vices.”

2 Tradução livre para: “In addition to the incentives or disincentives that the civil or criminal law provides, morality adds the incentive to form good habits to engender in individuals certain virtuous dispositions and to avoid certain vices and extreme dispositions.”

3 Tradução livre para: “often business, particularly large corporations, complain that most government regulations are largely unnecessary. there are many of corporate ethical violations, all of which are closely linked to corporate crime”.

4 Tradução livre para: “Within this framework illegality is said to occur if the benefits of the act outweigh its costs, which are derived from the probability and consequences of detection. Such calculations, however, are not independent of the organization’s economic context. That is, legality is “affordable” if its expense can be comfortably balanced elsewhere in the financial statements.

5 Tradução livre para: “Compliance programmes are commended by competition authorities in some jurisdictions on the basis that they help to prevent or detect breaches of the law and, in the event of cartel conduct, may increase the chance of early detection and the ability to be the first to make na application for leniency.”

6 Importante salientar que nos acordos firmados pela Odebrecht, como no CADE, por exemplo, uma das obrigações assumidas pela empresa era a adoção de um novo programa de compliance, tendo em vista que o existente foi considerado pouco efetivo pelas autoridades de controle.

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