Em 25 de março de 1824 foi outorgada por D. Pedro I a primeira Constituição do Brasil. Era uma constituição imperial, quase absolutista. Esse dia passou a ser marcado no país como o Dia Nacional da Constituição.
Mas nos dias 25 de março comemoramos constituições muito diferentes. O sabor do 25 foi do doce ao amargo, passeando por vários matizes de sabor. Em 1891, o dia comemorou uma Carta Republicana. Deixamos de ser a única monarquia americana. Foi o 25 de Ruy Barbosa. Em 1934 e 1937, o dia 25 celebrou Cartas que refletiam o chefe do Executivo, Getúlio Vargas. Esse período era de constituições menos cidadãs, mais estatais, mais executivas.
Em 1946, comemorou-se a retomada da democracia. Em 1965, o dia foi obscuro, pois a Constituição não mais valia desde o ano anterior. Era letra morta. Em 1967, comemorou-se uma Constituição que refletia o regime militar. Até que em 1989 comemorou-se o Dia da Constituição sob a Carta Cidadã erguida orgulhosamente por Ulysses Guimarães no ano anterior. Foi um 25 de festa.
Comemoramos por 34 anos o 25 de março sob a querida Cidadã, com suas conquistas, contradições e modificações. Bem ou mal, a Nova República tem durado mais do que outros períodos constitucionais brasileiros. Mas o 25 de Março de 2024 é diferente. Agora estamos comemorando uma nova Constituição, depois da reforma tributária.
Essa afirmação pode parecer pretensiosa ao leitor. Um constitucionalista poderia dizer que a frase nada mais é do que a vaidade do tributarista. Talvez até seja. Mas, se a Constituição fosse uma casa, a reforma tributária seria mais uma reestruturação de colunas e vigas do que a pintura de uma parede. Seria uma casa nova.
O federalismo não é o mesmo. O federalismo cooperativo que parecia sugerido em 1988 agora é uma imposição da realidade. Até 2023, a guerra fiscal e a concorrência predatória afastavam União, estados e municípios em uma vertiginosa corrida ao fundo do poço. Mas agora esses entes dependem de tributo de competência compartilhada para sobreviver: o IBS. Se não se entenderem, estados e municípios não se financiam.
A União mesma não pode mais caminhar sozinha. A arrecadação da CBS deverá andar de mãos dadas com a do IBS. O irmão maior precisa se entender com os caçulas. Na verdade, em termos de reestruturação federativa, ouso dizer que a reforma tributária no Brasil é comparável à reunificação das Alemanhas. Lá, o Direito Tributário teve um papel essencial também. Mas aí é tema para outra história.
A noção de competência não é a mesma. Até 2023, quem tinha competência decidia como e quanto tributar. Em 2024, o “como” tem que ser decidido conjuntamente pelos entes. O “quanto” está em aberto, mas dificilmente será decidido isoladamente. Ele precisa garantir a arrecadação pretérita, mas também preservar a carga tributária agregada. Ao mesmo tempo, não pode desincentivar investimentos, nem sufocar os serviços públicos. Esse sistema não fecha se os participantes se fecharem. Quem tinha a competência tinha tudo. Agora, quem tem a competência não tem tudo sozinho.
Nem a relação do ser humano com a natureza é a mesma. A economia verde agora está por toda a Constituição, não apenas como uma enunciação, mas como políticas impositivas. A defesa do meio ambiente agora é princípio do Sistema Tributário Nacional. A sustentabilidade ambiental é critério para incentivos regionais, financiamento de projetos, tributação de doações e veículos. Até o IBS pode ser distribuído aos municípios por critérios de sustentabilidade ambiental. O hidrogênio verde, que em 1988 nem existia, agora está na Constituição, com um regime privilegiado. Economia de baixo carbono, eficiência no uso de recursos naturais e inclusão social agora estão no jargão do tributarista.
Cá entre nós, nem a democracia é a mesma. A justiça tributária e a transparência agora são princípios expressos do Sistema Tributário Nacional. A injustiça tributária é a negação da democracia, como dizem Emmanuel Saez e Gabriel Zucman. O cidadão pode ser tributado, mas ele tem o direito não apenas de saber, mas de compreender quem financia e quem se beneficia do Estado. Na norma agora vigente, cidadão e o contribuinte não são mais duas pessoas, são uma só.
Para citar Amaro Cavalcanti, o Estado não é como o trabalhador. Ele não trabalha para acumular riqueza e consumir de acordo com sua renda disponível. O trabalhador ganha para depois decidir quanto gastar. O Estado se financia na medida das necessidades públicas que precisa atender. Nem mais, nem menos. O Estado, pelos representantes eleitos, decide quanto precisa gastar, para depois decidir como se financiar. Não acho que seria necessário dizer o óbvio, mas essas necessidades têm que ser mensuradas e financiadas de maneira justa e transparente. Não seria necessário, mas foi preciso escrever. E agora isso está escrito: na Constituição.
Lembram daquele 25 de março de 1965? O dia foi triste. A Carta não valia. Mas em 25 de março de 1966, “celebramos” a Constituição de 1946 alterada pela Emenda Constitucional 18/1965. Ela estruturava um Sistema Tributário Nacional muito similar àquele que vigia até 2023. Do ponto de vista tributário, o 25 de março de 1965, triste que foi, não acabou. Repetiu-se por quase seis décadas.
O 25 de março de 2024 vai ser diferente.
Temos uma nova Constituição a comemorar.